La Salette e a ecologia
Fevereiro 2021
“Proteger a criação faz parte da Nova Evangelização…”
“Pois é a partir da grandeza e da beleza das criaturas que, por analogia, se conhece o seu autor” (Sb 13,5).
Tanto o Antigo quanto o Novo Testamento têm uma abordagem positiva da criação. É positivo porque teocêntrico. De fato, a Bíblia Hebraica vê a criação como um ícone e expressão da graça, realeza e bondade de Deus. As Escrituras mais de uma vez testificam essa verdade: veja, por exemplo, os dois primeiros capítulos do livro de Gênesis ou os numerosos Salmos que nos convidam a cantar a grandeza de Deus refletida na beleza da criação, ou o livro da Sabedoria que nos lembra que todo o universo fala do amor de Deus (“pois é a partir da grandeza e da beleza das criaturas que, por analogia, se conhece o seu autor”, Sab 13,5).
Se passarmos do Antigo para o Novo Testamento, a centralidade da criação não é diminuída. Nos Evangelhos, Jesus revela o mistério do Reino de Deus por meio de imagens emprestadas da criação (Mt 13,31–32.33.47–50; Mc 4,26–29.30–34; Lc 13,18–19); Ele ensina referindo-se à criação (Mt 13,24–30.36–43; Lc 8,4–8.11–15; 13,6–9); refere-se aos pássaros do céu e às flores dos campos para ilustrar a presença amorosa e atenciosa de nosso Pai celeste para com a humanidade (Mt 6,25–34); usa a metáfora da videira e dos ramos (Jo 15,1–6) ou do “bom pastor” (Jo 10,11–18) para dizer algo sobre si mesmo. E em suas cartas, São Paulo, mais de uma vez, fala da criação como uma forma de experimentar o mistério do Deus invisível.
Ao contrário da filosofia da Grécia Antiga, a mentalidade bíblica tem uma abordagem positiva da criação; afirma que a matéria é importante. Basicamente, a Bíblia reconhece o mundo criado como uma casa-jardim que Deus preparou para todos nós. Os dois primeiros capítulos do livro do Gênesis são muito claros nos seguintes dois pontos: 1) longe de ser nossa propriedade, a criação é percebida como um dom de Deus e 2) a vocação radical de cada um de nós é cuidar e administrar com sabedoria, respeito e gratidão. Cada um de nós tem a responsabilidade de preservar a criação, incluindo seus recursos, com cuidado e amor.
Em La Salette, a criação não está ausente. Totalmente alinhada com a Bíblia, a Bela Senhora inclui isso em sua mensagem, enfatizando a estreita correlação entre discipulado, conversão e criação. Em La Salette, Maria nos lembra que a forma como nos relacionamos com a criação reflete o tipo de relação que temos com nosso Criador. Poderíamos então dizer que a nossa ecologia reflete a nossa teologia!
Tal abordagem tem consequências éticas e práticas. Ser discípulos de Jesus de Nazaré e discípulos de sua Mãe significa também ser homens e mulheres que valorizam o dom da criação, educam os outros para abordá-lo com gratidão, admiração e como sinal da providência constante de Deus. Em outras palavras, a defesa da criação faz parte da Nova Evangelização. E visto que, segundo o Papa Francisco, somos ao mesmo tempo discípulos-missionários, isto é, pessoas chamadas a ser evangelizadas e a evangelizar, a salvaguarda da criação não é uma opção que possamos ou não incluir na nossa obra de evangelização. Assim como a criação esteve presente no ensino e ministério de Jesus, também deve ser parte integrante de nossa Nova Evangelização, como o Papa Francisco nos lembra com insistência na Carta Apostólica de 24 de maio de 2015, Laudato si’.
A nossa responsabilidade pela criação
“Se se converterem, as pedras e rochedos se transformarão em montões de trigo…” – temos aqui a exigência da harmonia no planeta terra da parte de Deus. São palavras que devem guiar o agir do homem, tendo em conta a preponderante missão de dominar a terra, recebida de Deus naquele veemente apelo primordial: “dominai a terra” (Gn 1–11).
Em La Salette, a Mãe das lágrimas recorda-nos a responsabilidade que temos diante de toda a criação. A conversão do homem faz a diferença porquanto propicia ao planeta terra os favores de Deus, outrossim, ela é o marco fundamental para que a terra recupere a sua fertilidade, se restaure a harmonia entre os animais e o homem e se edifique uma nova história de amizade entre Deus e os homens.
Como vemos, a ecologia liga-se à ética e, no nosso caso, não é descabido falarmos em ética cristã. Esta, sob o manto de ecologia, vê na proteção da biodiversidade a salvação da própria humanidade. A mensagem de La Salette, ao insistir no apelo à conversão e, no caso, fazendo menção às batatinhas e ao trigo que se estraga, lança um desafio para que se tenha presente a consciência ecológica que leve o homem a redescobrir “franciscanamente” que o ser humano é parte da fauna e está inserido na criação como parte dela.
É bem verdade que o bom andamento do mundo depende, em primeiro lugar, do valor espiritual da humanidade. O estado de alma do homem influencia, com toda a naturalidade, este universo a orientar-se para Deus ou para a desgraça, isto é, a sua destruição. A propósito, São Paulo fala dos gemidos da criação (Rom 8,19–33) porque o homem perdeu o controle do grande mandamento que recebeu de Deus, o de cuidar a terra. Por causa da teimosia em querer andar prescindindo de Deus, a natureza entrou em convulsão: tempestades avassaladoras, enchentes gigantescas, terramotos e maremotos devastadores, desertificação assoladora de muitas regiões, sobretudo na Africa, a sul do Sahara.
São lapidares as palavras de Nosso Senhor Jesus Cristo quando diz: “Eu vim para que os homens tenham vida e a tenham em abundância” (Jo 10,10). Por isso, para o Papa Francisco, na sua grande reflexão consignada na Encíclica Laudato si’, apresenta também como preocupação ecológica tratar o ser humano e a cultura do homem.
“Virá uma grande fome”. A fome é preocupação para a Mãe que intercede pela sorte da humanidade. A fome é também, por assim dizer, um problema ecológico já que desestrutura o tecido social. Porém é certo que a sua raíz mais profunda é o pecado social enquanto negação do outro como comensal no banquete do bem comum. Portanto, mais do que diagnosticar a necessidade da proteção ambiental, é necessário aceitar o desafio da conversão a Cristo porque é esta que propiciará a mudança sociocultural, o combate permanente aos problemas sociais que oprimem pessoas, povos e sociedades.
Maria - a Rainha de toda a Criação
O Papa Francisco na encíclica Laudato si’ (n. 241) diz: “Maria, a mãe que cuidou de Jesus, agora cuida com carinho e preocupação materna deste mundo ferido. Assim como chorou com o coração trespassado a morte de Jesus, assim também agora Se compadece do sofrimento dos pobres crucificados e das criaturas deste mundo exterminadas pelo poder humano. Ela vive, com Jesus, completamente transfigurada, e todas as criaturas cantam a sua beleza. É a Mulher «vestida de sol, com a lua debaixo dos pés e com uma coroa de doze estrelas na cabeça» (Ap 12,1). Elevada ao céu, é Mãe e Rainha de toda a criação. No seu corpo glorificado, juntamente com Cristo ressuscitado, parte da criação alcançou toda a plenitude da sua beleza. Maria não só conserva no seu coração toda a vida de Jesus, que «guardava» cuidadosamente (cf. Lc 2,51), mas agora compreende também o sentido de todas as coisas. Por isso, podemos pedir-Lhe que nos ajude a contemplar este mundo com um olhar mais sapiente”.
A Bela Senhora da montanha de La Salette expressa justamente esse cuidado quando faz algumas perguntas, algumas delas retóricas: “Há quanto tempo sofro por vocês?”; “Vocês não entendem o francês?”; outras são dirigidas às crianças: “Não compreendeis, meus filhos?”; “Fazeis bem vossa oração, meus filhos?”; “nunca vistes trigo estragado, meus filhos?”; e, finalmente, uma pergunta direta a Maximino: “Mas tu, meu filho, tu deves tê-lo visto?” Todas essas perguntas são feitas por Aquela que conhece perfeitamente o destino do homem na terra. Ela sabe como é difícil se reconciliar com o mundo atingido pelo pecado do homem.
Não sabemos ao certo como isso acontece, mas no Céu Maria cuida de nós seguindo o exemplo do Pai Eterno - santo e perfeito. Pode-se ficar no céu e ser pessoalmente feliz, mas não é possível não se preocupar com o destino de quem ainda está na Terra. O Deus Encarnado, Sua Mãe e todos os Santos conhecem a experiência da vida na Terra e sabem que é preciso lutar constantemente pela salvação eterna, lutando contra o mal.
Podemos também supor que Nossa Senhora intercede incessantemente por nós perante o trono de Deus, para que Ele não cesse de ter misericórdia de nós. Ela pede incessantemente ao Filho que nos dê o remédio da graça, para que não nos desesperemos e não desanimemos. Ela sabe que o Filho não quer castigar ninguém, mas pede-lhe que seja misericordioso para conosco, que relutamos em nos converter, porque desconhecemos aqueles bens que Jesus prometeu. As aparições de Maria na Terra são um exemplo do grande cuidado da Mãe por todos os seus filhos - irmãos e irmãs de Seu Filho Jesus. Ela vem - provavelmente depois das fervorosas orações dirigidas a Deus - para nos fazer aderir a Ele. A atitude de Deus, podemos resumí-la numa frase tirada da parábola do rico e do Lázaro: “Se não ouvem a Moisés e aos Profetas, tampouco se deixarão convencer, ainda que ressuscite alguém dentre os mortos” (Lc 16,31). Mas Maria abre uma exceção: ela não está morta, ela foi elevada ao céu!
Talvez seja por isso que Ela tem o direito e a permissão de Deus para vir até nós e nos convidar a perseverar em viver o Reino de Deus já aqui, na Terra, apesar da existência do pecado e do mal.
Flavio Gilio MS
Eusébio Kangupe MS
Karol Porczak MS