Misericórdia e a Imaculada Conceição

 

No dia 8 de dezembro 2015, dia da Solenidade da Imaculada Conceição de Nossa Senhora e aniversário de 50 anos de encerramento do Concílio Vaticano II, iniciou-se o Jubileu Extraordinário da Misericórdia, que se encerrou no dia 20 de novembro de 2016, com a Solenidade de Jesus Cristo, Rei do universo. Neste ano, fomos chamados a fixar o olhar na misericórdia, com uma intensidade renovada, para manifestar em nossas vidas a Misericórdia do Pai[1].

É significativo que este Ano Santo tenha iniciado no dia da Imaculada Conceição, já que Maria Santíssima é aquela que, “de modo particular e excepcional, como ninguém mais, experimentou a misericórdia e, ao mesmo tempo, de modo excepcional, tornou possível com o sacrifício do seu coração, a própria participação no mistério da Redenção” [2].

Em Maria, manifesta-se de forma singular a imensurável Obra Divina de Misericórdia, que quis devolver ao homem, por meio do Filho Unigênito, encarnado, morto, e ressuscitado[3], a vida e a liberdade, perdidas com o pecado. Enquanto nós nascemos com o pecado original, Maria preservada de toda mancha de pecado desde a sua concepção[4].

No entanto, essa verdade de fé encontrou algumas dificuldades entre os teólogos ao longo da história. Pois era difícil compreender como Maria teria nascido sem o pecado, se foi Cristo quem dele nos redimiu em sua Paixão. Dizer que Maria era Imaculada seria como dizer que ela não tivesse necessidade de ser redimida por Cristo[5].

Nesse contexto, surge um grande Teólogo da Igreja, o beato João Duns Escoto. Ele defendeu valorosamente a Imaculada Conceição de Maria, através do argumento da “Redenção preventiva”. Assim, Maria Imaculada é a obra prima da Redenção porque foi preservada do Pecado Original, tendo em vista os méritos da Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo. Disso se segue que Maria é totalmente redimida por Cristo, por antecipação, desde o primeiro instante de sua concepção[6].

Este grande privilégio de Maria vem inteiramente de Cristo[7], a Misericórdia Encarnada[8], e demonstra a elevada ação do Senhor Nela. De fato, o ato redentor de Jesus se aplica a toda a humanidade, mas em Maria atua de forma especial. O Santíssimo Redentor vem curar a humanidade da doença do pecado, mas, no caso da Virgem Imaculada, Ele a cura preservando-a do pecado, e desse modo salva-a singularmente.

Pio IX, na bula Ineffabilis Deus, pela qual proclama o dogma da Imaculada Conceição, seguindo a linha do beato Duns Escoto, afirma que “a Santíssima Virgem Maria, Mãe de Deus, em previsão dos méritos do Redentor Cristo Jesus, nunca esteve sujeita ao Pecado Original, e, por isso, foi redimida de maneira mais sublime” [9].

Desse modo, Maria experimentou a misericórdia de forma única, ao receber esse grande privilégio de ser redimida antes mesmo de nascer. Ela pôde esmagar a cabeça da serpente, e em nenhum momento foi esmagada por ela. Dionísio Cartuxo afirma que: “É horroroso para nós dizer que essa mulher, que iria esmagar a cabeça da serpente, tenha sido alguma vez esmagada por ela” [10].

Desse grande privilégio de Maria Santíssima decorre outro também grandioso: a sua gloriosa Assunção. Pio XII, na definição do dogma da Assunção proclamou com grande solenidade: “a Imaculada Mãe de Deus, a sempre Virgem Maria, terminado o cursos da vida terrestre, foi assunta em corpo e alma à glória celestial” [11]. Mas o que isso tem a ver com a Imaculada Conceição?

Ora, o dogma da Assunção de Maria aos céus está intimamente ligado ao dogma da Imaculada Conceição. Isso se explica da seguinte forma: Jesus, por meio de sua morte e Ressurreição, venceu o pecado e a morte. Todo aquele que é batizado participa desta vitória e, se morrer em estado de graça será salvo, irá para o Purgatório e depois para o Céu ou irá diretamente para o Céu, se não tiver penas temporais para expiar. No último dia também irá gozar da alegria da ressurreição no Céu.

A Igreja afirma que após a morte, o que subsiste é a alma, tanto no Céu como no Purgatório ou no Inferno[12]. Enquanto que o corpo sofre à corrupção do sepulcro. Somente no fim dos tempos haverá a Ressurreição da Carne, onde as almas salvas receberão seus corpos gloriosos e as almas condenadas receberão seus corpos para sofrerem no fogo do inferno de corpo e alma.

Mas sendo que Maria venceu o pecado desde a sua concepção, então ela não foi sujeita à corrupção do sepulcro e nem terá que esperar o fim dos tempos para Ressuscitar. Ela já está ressuscitada no Céu, com o seu corpo glorioso[13]. Desse modo, a Misericórdia de Deus se manifestou nela de maneira ainda mais perfeita. Ela foi a primeira redimida e foi também, depois de Jesus, a primeira a Ressuscitar.

Assim, chegado final deste Ano Santo da Misericórdia, entreguemo-nos totalmente a Maria, para que Ela nos purifique com suas mãos Imaculadas e nos faça contemplar o Rosto Misericordioso de Deus, transformando-nos em sinais do agir do Pai[14]. Assim, teremos a certeza de experimentar verdadeiramente a misericórdia, para depois apresentá-la ao mundo.

É preciso buscar a conversão do coração, para progredirmos na verdadeira amizade com Deus. Não basta falar de misericórdia, é preciso vivê-la, encarná-la. E para que isso aconteça, invoquemos Àquela que desde a sua concepção esmagou o pecado. Ela saberá nos ajudar a esmagá-lo em nossa vida e a esmagar toda sugestão da serpente infernal, fazendo de nós reflexos vivos da Misericórdia Divina, para que um dia possamos nos alegrar no Céu de corpo e alma, juntamente com ela e todos os santos e santas.

Ir. Gino da Imaculada Conceição, SDM.

[1] Cf. FRANCISCO. Misericordes vultus. São Paulo: Paulinas, 2015, p. 4.

[2] JOÃO PAULO II. Carta encíclica Dives in misericordia. 1980. São Paulo: Paulinas, 2009, p. 50, n. 9.

[3] Cf. BENTO XVI. Angelus de 8/12/2011.

[4] Cf. PIO IX. Ineffabilis Deus. 1854, n. 41.

[5] BENTO XVI. Audiência Geral: João Duns Escoto. 2010.

[6] Ibid.

[7] Cf. CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA. Petrópolis: Vozes; São Paulo: Paulinas, Loyola, Ave-Maria, 1993, p. 138, n. 492.

[8] Cf. JOÃO PAULO II. Op. Cit., n. 2.

[9] PIO IX. Op. Cit., n. 17.

[10] DIONÍSIO CARTUXO, Apud: BOFF, Clodovis. Dogmas marianos: síntese catequético pastoral. São Paulo: Ave-Maria, 2010, p. 35.

[11] PIO XII. Munificetissimus Deus. 01/11/1950, n. 44.

[12] SAGRADA CONCREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ. Carta sobre algumas questões referentes à escatologia. 17/05/1979.

[13] PIO XII. Op. Cit., n. 5.

[14] FRANCISCO; Op. Cit., p. 4.

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